<$BlogRSDUrl$>

sexta-feira, abril 30, 2004

Índice de hoje 

- Lula de contramão, ladeira abaixo (Jornal do Brasil, Rio)
- Papa fala em "Deus único"... aos árabes radicais (La Vanguardia, Barcelona)
- O homem dominou o fogo há pelo menos 790 000 anos (Le Figaro, Paris)
- Todos receiam o alargamento da UE (Le Figaro, Paris)
- Gata perdida na Flórida é reencontrada 7 anos depois (BBC Brasil)
- A privatização da tropa é um fenómeno mundial (Le Temps, Genève)
- O segundo "exército" no Iraque são os mercenários (Le Temps, Genève)

Lula de contramão, ladeira abaixo 

Jornal do Brasil

Villas-Bôas Corrêa
Depois de uma dezena de reuniões, que engoliram três dias e entraram pela madrugada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu chegar a decisão consensual sobre o segundo aumento do salário mínimo, no dia em que, em clima de velório, alcança a marca de um terço do mandato de quatro anos.
Foram mais de 30 horas de conversa, com novas rodadas na manhã de ontem, até o anúncio oficial: R$ 260,00, a partir de amanhã, 1º de maio, Dia do Trabalho. Não é nada, não é nada, é pouca coisa mesmo: 8,3% de aumento sobre os vigentes, moribundos e esquálidos R$ 240, e o salto acrobático, digno da Daiane, de 1,73% sobre a inflação.

Francamente, tanto esforço, tantas angústias, a mobilização de ministros insones no rodízio das consultas, para chegar a tão frustrante e mofino resultado! O parto do camundongo que aprofundou as olheiras fundas dos ministros da Fazenda, do Planejamento, do Trabalho, da Previdência, da Articulação Política, que rodopiaram em volta do núcleo de duvidosa dureza do Palácio Planalto, fazendo e refazendo cálculos, buscando fórmulas mágicas para o reajuste do mínimo que juntasse as pontas dos compromissos históricos do presidente e do PT com a promessa jurada do ministro Antonio Palocci, sacramentada por Lula, de manter o equilíbrio fiscal para segurar a inflação pela cauda.

Baixando das alturas da discussão que contrapõe argumentos econômicos às promessas eleitorais, à objetividade dos números e do respeito à palavra empenhada, o balão que tantos sopraram até doer as bochechas murchou, encolheu, virou o cisco que se varre na limpeza doméstica.

Comecemos nas alturas da reverência à ética, que vinca a testa esticada de Lula e amargura a sensibilidade do líder sindicalista. Convém repisar o sabido tão desrespeitado nas intermináveis e inócuas maratonas do palavrório palaciano: Lula não apenas comprometeu-se a recuperar o poder de compra do salário mínimo mas, com a leviandade da boa-fé e a arrogância de quem acha que tudo pode, quantificou a palavra empenhada na solene afirmação de que dobraria o mínimo.

A lógica aprisiona a credibilidade da promessa na imagem de uma escada com quatro degraus, para o coerente esforço de galgar um a cada ano. O governo trocou de mal com seu passado, dá o dito pelo não dito com a maior cara-de-pau e acredita que pode enganar os trouxas, que somos todos nós.

O quebra-cabeça na montagem do mínimo rodopiou em torno de migalhas. A proposta inicial do dono da área, ministro Palocci, mandava às favas os compromissos de 20 anos de oposição, para fincar pé na reposição do índice de inflação, com o agrado com gosto de fel e o azedo do logro do mínimo de R$ 256 - o doce de coco para o empresariado e a felicidade do FMI. Depois de longas e sofisticadas avaliações, reconheceu que com mais um real dava para bater o martelo.

As noites são longas e companheiras da fadiga. Adiou várias vezes o recomeço da lengalenga, com o presidente abastecido de tabelas e cálculos para sua decisão. Espremendo-se o caldo da fruta de casca seca, pingaram as dúvidas: se optasse pelo critério político, oscilariam entre R$ 260 ou alguns reais a menos de R$ 270.

Na conta da fome do salário mínimo sobrevivem mais de 21 milhões de trabalhadores. Pelo seu valor são calculados os salários de muitos milhões. Não é, portanto, um assunto desprezível.

Em dinheiro vivo, o que representa a diferença entre a somiticaria dos tecnocratas e a generosidade do eleito com 52 milhões de votos? O rato gerado pela montanha acrescenta R$ 20 aos R$ 240 do mínimo com fôlego de bichano que durou 13 meses, um a mais de marota sobrevida.

Asas à imaginação no vôo da esperança. Do patamar dos R$ 240 que deve ser enterrado amanhã, com um mês de atraso, para os R$ 260 são mais R$ 20 que estufam os bolsos e engordam as contas bancárias de 20 milhões à beira da indigência. Quer dizer, no embalo do sonho, menos de um real por dia. Exatamente 66 centavos. Dá para comprar algumas balas avulsas ou o pacotinho fino de amendoim oferecidos nos ônibus, trens, nas barraquinhas. Refresco, só de groselha, aguado. Não paga uma passagem de ônibus.

Claro, que um aumento para valer quebraria a Previdência Social, levaria municípios à falência. Argumentos que só se invocam quando se trata dos interesses dos pobres, no limite da miséria. Agora mesmo, com a desfaçatez da crise de decoro coletivo que grassa no Congresso, o Senado aprovou a contratação de 2.793 servidores pelo governo, para cargos comissionados, a serem distribuídos pelos cupinchas que ainda não levaram o seu naco no rateio do bingo petista e de aliados. E corre-se para aprovar a emenda constitucional que reduz o corte de 8.500 vereadores, aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para 5.062, da proposta da Câmara. ou para apenas 3 mil, da descarada manobra aprovada pelo Senado.

O presidente Lula não cumprirá a promessa de dobrar o salário mínimo nos reajustes dos últimos dois anos do seu mandato. Perdeu o embalo e encurtou o prazo. Com o reajuste de 8,3% ficou mais distante do juramento de campanha.

A coerência não entra em férias nem em conchavos para a emergência das contradições. O governo brigou com seu passado; Lula desviou-se do rumo das duas décadas de lutas. Desgovernada, a geringonça disparou de ladeira abaixo na contramão do imediatismo. Tudo promete, nada se cumpre. A máquina não anda, sem comando e sem destino.

E levou na bagagem o PT, com as defecções e resistências sabidas. No Congresso, desfibrado, a bancada petista confunde-se com o baixo clero. Segue o governo na vereda da aventura do oportunismo e da demagogia.

Papa fala em "Deus único"... aos árabes radicais 

La Vanguardia

MARÍA-PAZ LÓPEZ
Roma. – Juan Pablo II suplicó ayer a los captores de los tres rehenes italianos en Iraq que, “en nombre del único Dios, que a todos nos juzgará”, los liberen y devuelvan sanos y salvos a sus familias. El mensaje papal llegó por boca del arzobispo Giovanni Lajolo, secretario para las Relaciones con los Estados (en la práctica, ministro de Exteriores vaticano), quien lo leyó ante los centenares de italianos que marcharon por la paz hacia al Vaticano respondiendo al ruego de los familiares de los rehenes. Se trata del segundo llamamiento del Papa al respecto, pues ya lo pidió en el ángelus del domingo 18 de abril, pero ahora hace hincapié en el elemento religioso.

Las Brigadas Verdes de Mahoma– que desde el 12 de abril tienen secuestrados a los vigilantes italianos Salvatore Stefio, Umberto Cupertino y Maurizio Agliana– prometieron el pasado lunes su liberación a cambio de una manifestación en Roma por la paz y por la retirada del contingente militar italiano de Iraq. Los secuestradores –que asesinaron a un cuarto rehén, Fabrizio Quattrocchi, a las 48 horas de la captura– dieron cinco días de plazo, que se cumplen el 1 de mayo, pero las familias de los retenidos decidieron organizar la manifestación para ayer jueves, insistiendo en que no se le diera tono político, sino carácter “humanitario y por la paz”.

A pesar de que algunas voces confiaban en que el Papa se asomara a la ventana del palacio apostólico para bendecir a los manifestantes, fue finalmente un relevante prelado de la Secretaría de Estado el responsable de transmitir el mensaje. Junto al obelisco de la plaza de San Pedro, Giovanni Lajolo dijo que el Papa había celebrado la misa matinal por los rehenes “y por todos aquellos que sufren en aquel país”, que en el momento de la manifestación estaba rezando por ellos, y que agradece “a cuantos trabajan por restablecer en Iraq un clima de reconciliación y de diálogo en vista de la recuperación de la plena soberanía e independencia del país, en condiciones de seguridad para toda la población”. Las cadenas Al Jezira y Al Arabiya informaron del llamamiento papal y de la manifestación.

La Santa Sede había anunciado que permitiría la entrada de los manifestantes en la plaza de San Pedro –de cuya custodia se encarga la policía italiana–, si acudían con ademán “compuesto” y “de plegaria”, pues desde el atentado contra Juan Pablo II de 1981 a la plaza sólo pueden acceder peregrinos y turistas. En la marcha, que arrancó a las cinco de la tarde del castillo de Santángelo, encabezada por las familias de los rehenes, participaron entre dos y tres mil personas, según estimación de las fuerzas del orden. Abundaban las banderas de la paz (que en Italia no son blancas, sino con los colores del arco iris) y las pancartas contra la guerra, con frases como: “Retirada inmediata de las tropas de Iraq, con o sin la ONU”, o “Liberad a los 22 millones de rehenes”, en referencia a los iraquíes. A los portadores de pancartas no se les permitió entrar en la plaza.

Entre los participantes había pacifistas, católicos y los imanes de Milán y Turín. También estaba el dramaturgo Dario Fo, premio Nobel de la Paz, quien dijo: “¿Es más importantes nuestro orgullo nacional que salvar a tres personas? Una nación que no salva a tres personas no es una nación digna”.

O homem dominou o fogo há pelo menos 790 000 anos 

Le Figaro

Caroline de Malet
C'est une des questions clés qui déchire les paléontologues depuis des années. Quand l'homme a-t-il domestiqué le feu pour la première fois ? Une équipe de chercheurs israéliens vient d'apporter une nouvelle pierre à ce débat essentiel pour la compréhension du développement humain.

Naama Goren-Inbar de l'Institut d'archéologie de l'Université hébraïque de Jérusalem, vient de démontrer que la plus ancienne maîtrise du feu par l'être humain pourrait dater d'il y a 790 000 ans. L'équipe de chercheurs a en effet découvert sur le site archéologique de Gesher Benot Ya'aqov (GBY) en Israël des graines, du bois et du silex brûlés distribués en groupes de petits fragments. De quoi indiquer que les habitants de ce site acheuléen (mode de vie correspondant à une technique spécifique de fabrication d'outils par la taille de silex) se seraient servis du feu dans des endroits particuliers, qui pourraient être des foyers. Ce qui semble attester la domestication du feu par l'homme dès cette époque.

Ce site, au carrefour entre l'Afrique et l'Eurasie, était déjà bien connu pour sa production, par les hommes préhistoriques, de pierre taillée leur servant d'outils. Mais également pour sa richesse en bois, exceptionnelle dans les sites paléolithiques, la conservation de ce matériau exigeant des conditions non oxydantes généralement liées à la présence d'eau.

Cette découverte, publiée aujourd'hui dans la revue Science (1), est jugée «très intéressante» par Claire Gaillard, chargée de recherches au CNRS au sein du département préhistoire du Muséum national d'histoire naturelle. Ce serait en effet la domestication la plus ancienne avérée à notre connaissance. Car la maîtrise du feu par l'homme n'est aujourd'hui attestée que jusqu'à il y a 500 000 ans, à Zhoukoudian près de Pékin en Chine. Deux autres sites témoignent eux, d'une telle expérience il y a 450 000 ans, à Ménez Drégan en Bretagne et Vertesszölös en Hongrie. Le responsable des fouilles du site de Strànskà Skàla en République tchèque a constaté, lui, la présence d'ossements et d'éclats de silex brûlés il y a environ 600 000 ans, mais la communauté des préhistoriens semble encore dubitative sur ce point. En Afrique, plusieurs sites préhistoriques (Sterkfontein, Gadeb) datant de 1,5 million d'années ont livré des traces de feu telles que terre brûlée ou ossements partiellement brûlés, mais sans indice de foyer circonscrit. Aussi ne peuvent-ils attester l'usage intentionnel du feu par leurs occupants.

Le sérieux et la fiabilité des travaux des chercheurs israéliens, qui jouissent déjà d'une certaine réputation, ne semble en revanche faire aucun doute auprès des archéologues et préhistoriens. Reste une zone d'ombre : «le problème est toujours celui de discriminer si l'on a affaire à des feux naturels ou anthropiques», fait remarquer Jean-Laurent Monnier, directeur de recherches au CNRS et responsable du DEA archéologie et archéosciences à l'université de Rennes-I. Autrement dit, ces traces du passé sont-elles la conséquence de feux de forêts provoqués par des incendies ou l'homme en est-il à l'origine ? Les auteurs de l'article ne répondent pas précisément sur ce point. On ignore en tout état de cause quand l'homme a commencé à allumer lui-même des feux en frottant ensemble deux silex ou un silex et un substrat. «Cela me paraît un niveau de technologie plus élaboré que ce que les hommes savaient faire au paléolithique, estime Claire Gaillard. Mais la répartition pas du tout homogène du silex brûlé retrouvé et les hautes températures requises pour marquer le silex (300 °C environ) écartent l'hypothèse du simple incendie. Aussi est-il plus vraisemblable que ces feux aient été récupérés et entretenus, ce qui suppose déjà une organisation sociale très développée.»

Les premiers feux d'origine naturelle, eux, auraient eu lieu à l'époque silurienne (443 à 417 millions d'années), vient d'annoncer dans le journal Geology une équipe de l'université de Cardiff, qui a retrouvé des plantes fossiles conservées sous forme de charbon de bois. A cette époque, les plantes, apparues à la surface de la Terre il y a environ 475 millions d'années, ne dépassaient pas quelques centimètres.

(1) Science du 30 avril 2004.

Todos receiam o alargamento da UE 

Le Figaro

Bruxelles : de notre correspondante Alexandrine Bouilhet
L'élargissement n'a pas la cote en Europe. D'est en ouest, l'opinion européenne vit cet événement historique avec appréhension. Les sondages le prouvent. En Allemagne, en France, en Grande-Bretagne et en Pologne, les opposants à l'aventure l'emportent sur ses partisans. D'après le dernier Eurobaromètre, publié à Bruxelles, la France reste de loin le pays le plus hostile, avec 55% d'avis défavorables. Les enquêtes d'opinion mettent en évidence des peurs communes aux vingt-cinq Etats membres : hausse du chômage, de l'immigration, insécurité, terrorisme et menaces sur l'environnement.

Loin d'éclipser ces craintes, l'instabilité internationale, liée à la guerre en Irak et aux risques d'attentats, ajoute à l'inquiétude des Européens. La France est prise de vertige lorsqu'elle entend parler de l'entrée, même lointaine, de la Turquie dans l'Union, alors que la Grèce se déchire sur la question chypriote.

Dans un tel brouhaha, les appels au calme lancés par la Commission sur le thème «il n'y aura pas de big bang» passent inaperçus. A la vieille du 1er mai, les Quinze sont envahis par les angoisses habituelles des pays riches. Ils redoutent un «dumping social» des travailleurs de l'Est ou une vague de délocalisations. Alors qu'ils réservent 40 milliards d'euros par an à leurs agriculteurs, ils se plaignent de devoir payer la facture pourtant modeste de l'élargissement. Chez les Dix, le réflexe est inverse. La «nouvelle Europe» reproche déjà à son opulente voisine son manque de générosité. Comparant les courbes de chômage, les pays de l'Est s'offusquent des restrictions en chaîne imposées par les gouvernements au marché du travail, malgré les promesses d'ouverture claironnées en particulier par l'Irlande et la Grande-Bretagne. Ils critiquent également le gel du budget européen à 1% du revenu national brut (RNB), réclamé cet hiver par six pays «contributeurs nets», pour l'exercice 2007-2013.

Les complexes des anciens pays du bloc soviétique à l'égard de l'Ouest sont si profondément ancrés qu'ils finissent par occulter les bonnes nouvelles. Cette semaine, en effet, la Commission européenne leur a délivré un certificat de bonne conduite plus qu'encourageant. Brandie comme un couperet par les Quinze, la menace d'humiliantes «clauses de sauvegarde» qui auraient été activées après le 1er mai est levée. Cette mécanique humiliante, qui aurait permis par exemple de fermer les frontières à des produits ne respectant pas les normes communautaires, ne sera pas appliquée, au moins dans l'immédiat.

Source inépuisable de débats, l'élargissement est une mine d'or pour les partis politiques en quête d'électeurs pour les européennes du 13 juin. Pour la première fois depuis 1979, la participation s'annonce en hausse. Les premiers à tirer leur épingle du jeu seront les partis eurosceptiques. Ils sont donnés gagnants en Grande-Bretagne ou en Pologne et en nette progression en France, en Autriche, ou au Danemark. Si les experts prédisent une victoire de la droite européenne en nombre de sièges, les chrétiens-démocrates fédéralistes risquent d'être débordés par les tories britanniques, hostiles à l'euro comme à la Constitution, et par les nombreux partis populistes de l'Est. Partis en guerre contre une Europe «des marchés et de la concurrence», les socialistes devraient gagner des points en Espagne, en France et en Italie. Aussi méfiants soient-ils vis-à-vis de l'avenir de leur continent, les Européens auront moins découvert ces peurs communes qui forgent une identité.

Gata perdida na Flórida é reencontrada 7 anos depois 

BBC Brasil

A americana Pamela Edwards e a gata Cheyenne
Uma gata perdida nos Estados Unidos foi devolvida à sua dona após ser achada a cerca de 4,5 mil km de distância de casa.
A gata Cheyenne, de dez anos, desapareceu na Flórida há sete anos, pouco após ter sido adotada num abrigo para animais de rua.

Ela foi encontrada no começo de abril em San Francisco, Califórnia, do outro lado do país.

Ela foi identificada graças a um microchip que o abrigo havia implantado sob a sua pele.

Não está claro ainda como a gata foi capaz de atravessar o território americano, mas ela foi encontrada em bom estado.

"Possivelmente, alguém a encontrou na Flórida", disse à agência Associated Press Deb Campbell, porta-voz do Departamento de Controle de Animais de San Francisco.

"Às vezes alguns gatos ficam presos dentro de caminhões de mudança. Sabemos que ela não andou até aqui, seus pés parecem estar muito bem."

A doma de Cheyenne, Pamela Edwards, recebeu a notícia de que ela havia sido encontrada no dia em que levaria a sua outra gata, de 19 anos, para ser sacrificada.

A história provocou enorme interesse da TV americana. A apresentadora de talk show Ellen DeGeneres pagou as passagens aéreas para que a dona e sua filha voassem à Califórnia para o reencontro.

Depois, as duas e a gata foram a Los Angeles participar do programa de DeGeneres.

"Foi uma experiencia sensacional. Foi como se reencontrar com familiar perdido após tantos anos", declarou Edwards.

A privatização da tropa é um fenómeno mundial 

Le Temps

La privatisation de l'industrie militaire représente un phénomène mondial. Interview de Peter W. Singer, chercheur à la Brookings Institution de Washington, un centre d'études proche de l'appareil d'Etat américain.

Propos recueillis par Stéphane Bussard
Le Temps: Depuis la fin de la guerre froide, les effectifs des armées ont été sensiblement réduits. D'où le boom considérable des sociétés privées sous-traitant des activités militaires. Le marché serait-il dès lors la solution nouvelle aux différents conflits?

Peter W. Singer: Non, les problèmes sont plus complexes, et le marché n'a pas cette faculté-là. Ces sociétés privées, actives dans près de 50 zones de conflits dans le monde, ne font que combler un vide selon le principe de l'offre et de la demande. A ce jour, le Pentagone a conclu près de 3000 contrats avec elles. MPRI (ndlr: Military Professional Resources Inc.), l'une des pionnières dans ce secteur avec la société sud-africaine Executive Outcomes, emploie 800 miliciens. Sa base de données contient 14 000 personnes prêtes à être engagées. Quant à Halliburton, qui avait un premier contrat avec l'armée américaine de 3,9 millions de dollars en 1992, elle en est aujourd'hui à 6 milliards.

– En Irak, combien sont payés ces nouveaux mercenaires?

– Ils peuvent être payés entre deux et dix fois ce qu'ils pourraient gagner dans leur pays. Tout dépend de leur parcours. Mais aussi de l'Etat dont ils sont ressortissants. S'ils proviennent d'un pays en voie de développement, ils pourront toucher jusqu'à 1000 dollars par mois. S'ils sont domiciliés dans un pays développé, la somme peut monter jusqu'à 1000 dollars par jour. Un milicien ukrainien ou sud-africain par exemple touche entre 4000 et 5000 dollars par mois.

– Que représentent les activités militaires sous-traitées par le Pentagone en Irak?

– Un tiers de son budget opérationnel. Cela couvre les opérations de logistique, de formation, de conseil et des actions militaires à proprement parler.

– Les gouvernements ont-ils un intérêt financier à engager des milices privées?

– En termes de coûts, engager ce type de mercenaires peut être profitable pour un pays différent de celui de provenance de la milice. Sinon, les Etats peuvent être amenés à passer deux fois à la caisse: une première quand ils forment, au sein de l'armée, ces futurs miliciens privés et une deuxième – mais dix fois plus – pour payer ces mêmes miliciens employés par les sociétés de sous-traitance.

– Dans votre ouvrage the «Corporate Warriors»*, vous évoquez de graves dilemmes liés à de tels contrats privés visant à sous-traiter des activités militaires.

– Ces dilemmes ont trait aux objectifs. Le client (ndlr: l'armée américaine par exemple) n'a de loin pas toujours les mêmes objectifs sécuritaires que l'entreprise privée qui vise à maximiser son profit.

– La loyauté de ces sociétés privées peut être à géométrie variable. En Irak, ce risque peut être préjudiciable pour la coalition d'un point de vue stratégique...

– Si un conflit devient trop dangereux et du coup peu «rentable», une société privée peut décider de se retirer du jour au lendemain. En Irak, six d'entre elles l'ont déjà fait. C'est le cas de la société roumaine Bidepa.

– Certains experts affirment que les milices privées seraient beaucoup plus efficaces que les casques bleus de l'ONU pour mener des opérations de maintien de la paix...

– C'est un fait: l'ONU est très mauvaise en logistique. Or, les sociétés privées de sécurité pourraient combler certaines lacunes. Quant à confier les tâches des casques bleus à des miliciens privés, cela ne va pas de soi. Car ces derniers ne sont pour l'heure soumis à aucune règle. Il incombera dès lors aux gouvernements d'adapter le droit international, mais aussi leurs propres lois nationales, pour cadrer ces milices.

– Des milices privées auraient-elles prévenu le génocide de 1994 au Rwanda?

– Elles auraient peut-être pu sauver des dizaines de milliers de vies, voire plus en créant des poches de sécurité. La société privée sud-africaine Executive Outcomes aurait pu mobiliser plus de 1500 hommes en quinze jours moyennant 100 millions de dollars. A titre de comparaison, après les massacres, les Nations unies ont dépensé plus de 2 milliards, surtout pour éviter l'émergence de maladies.

– L'ONU serait-elle, selon vous, prête à entrer en matière?

– Publiquement, elle dit toujours vouloir garder ces milices à distance. Mais sur le terrain, elle les utilise pour protéger plusieurs de ses bureaux. L'ONU ne peut plus dire qu'elle n'en veut pas.

– Pour ce qui est des Etats-Unis, cette évolution n'est-elle pas l'une des conséquences de la «PDD 25», la décision prise par le président Bill Clinton en 1994 de ne plus vouloir s'impliquer massivement dans les opérations de maintien de la paix après l'échec somalien?

– Recourir aux milices privées est politiquement moins encombrant. Cela permet d'éviter le contrecoup politique que représente la mort de soldats réguliers dans des conflits. Quand des gardes privés américains sont tués en Colombie, il n'y a pas une ligne dans les journaux. En Irak, entre 30 et 50 d'entre eux ont été tués et 300 ont été blessés. On n'en parle pas non plus. Par contre, le «sauvetage» de la soldate Jessica Lynch a fait un vrai tapage médiatique.

* The Corporate Warriors, The Rise of the Privatized Military Industry, Cornell University Press.

O segundo "exército" no Iraque são os mercenários 

Le Temps

Une révolution militaire, amorcée sous d'autres cieux, se précise en Mésopotamie. Supplétifs d'une armée américaine débordée, de 10 000 à 15 000 hommes, employés par une vingtaine de sociétés privées, s'adonnent à des tâches d'instruction et de protection habituellement dévolues aux soldats. La profession, prise régulièrement pour cible par les rebelles irakiens, a subi de nombreuses pertes dans l'aventure. Et certaines voix s'élèvent en son sein pour réclamer le droit de disposer de moyens plus puissants, au risque de rendre la situation plus ambiguë encore.


Samuel Gardaz
Regard aux aguets derrière leurs lunettes de soleil, silhouette affûtée et fusil d'assaut prêt à faire feu, les agents de sécurité privés sont devenus les acteurs incontournables et omniprésents de l'Irak «libéré». Majoritairement américains, britanniques ou sud-africains, ces anciens militaires d'unités d'élite de leur pays d'origine sont aujourd'hui entre 10 000 et 15 000 dans le pays et constituent de facto la deuxième «armée» étrangère en Irak, après le contingent des Etats-Unis. Leur nombre pourrait même augmenter après le 30 juin, date de la passation de pouvoirs du Conseil de gouvernement transitoire à un nouveau pouvoir irakien.

Ces employés des «Private Military Companies» (PMC), dont en réalité la moitié est armée, se rencontrent à tous les points clés du nouvel Irak: ce sont par exemple les hommes de la société américaine Blackwater qui assurent la sécurité rapprochée de Paul Bremer, l'administrateur américain en Irak. Des Fidjiens recrutés par la britannique Global Risks Strategies ont protégé le convoyage de la nouvelle monnaie irakienne à travers le pays. La société sud-africaine Meteoric forme les gardes du corps chargés de la sécurité des ministères irakiens. Bref, individus, bâtiments officiels ou sièges de sociétés, voire ambassades, champs pétrolifères et même journalistes: dans un pays en proie à l'insécurité, il n'est quasiment plus un seul secteur d'activité où ces sociétés privées, estimées à une vingtaine en Irak, ne soient impliquées.

Si le recours à des supplétifs est vieux comme le monde, l'occupation de l'Irak marque l'apothéose de la version moderne du phénomène. Le chiffre d'affaires annuel de ce secteur d'activité est estimé à plus de 1 milliard de dollars. La fin de la guerre froide à partir de 1991 a entraîné une très forte réduction des effectifs militaires dans les armées occidentales. Dans le même temps, de nouveaux conflits ethniques à travers le monde ont constitué le terreau où certains de ces soldats démobilisés, reconvertis en chefs d'entreprise inspirés, ont fait leurs premières armes de «corporate warriors», pour reprendre l'expression de l'Américain Peter W. Singer, chercheur à la Brookings Institution de Washington et l'un des meilleurs connaisseurs du phénomène (lire l'interview ci-contre). Les sociétés sud-africaines Executive Outcomes ou britannique Sandline – officiellement dissoutes aujourd'hui – ont été les précurseurs dans les années 90, essentiellement en Afrique, entraînant dans leur sillage une multiplication de nouveaux acteurs aux rôles tout aussi troubles.

Médiatisée par la mort de quatre des siens début avril à Falloujah (ses employés avaient été tués dans une embuscade et leurs corps carbonisés mutilés par la foule), Blackwater est particulièrement représentative des zones d'ombre qui entourent ce secteur d'activité. La société basée en Caroline du Nord a été fondée en 1998 par d'anciens commandos Seals de la Marine US. Ses installations sont à ce point modernes que des soldats d'élite de l'armée américaine ou de la police locale viennent s'y entraîner. Si bien que, sur le terrain, la frontière est des plus floues entre la mission de ses employés et celle des soldats de la coalition. Les victimes de Falloujah escortaient-ils un convoi d'aide humanitaire, comme affirmé à l'annonce de leur mort? Ou étaient-ils en train de mener certaines des tâches opérationnelles que les armées anglo-saxonnes ne souhaitent plus assurer, notamment pour des raisons politiques? Un civil tué en Irak n'a pas le même impact médiatique que le retour au pays d'un cercueil orné de la bannière étoilée. Et en cas de dérapage, le gouvernement pourra s'en laver les mains à bon compte.

Cette zone grise dans laquelle évoluent ces agents privés de sécurité explique le nombre d'accrochages dans lesquels ils ont été impliqués. Des incidents qui ne sont pas répertoriés par les autorités de la coalition, puisque concernant des civils. A Kut (sud de Bagdad) début avril, cinq gardes de sécurités de la société britannique Hart Group ont été assiégés pendant plusieurs heures dans un bâtiment par des partisans de l'imam chiite radical Moqtada Sadr. Leurs appels aux forces de la coalition – une unité ukrainienne – sont demeurés sans réponse et l'un des agents a été tué avant que les quatre autres ne parviennent à s'échapper. Au total, six anciens des forces spéciales ont été tués depuis le début du mois. Et des voix s'élèvent dans la profession pour réclamer le droit de s'équiper d'armements plus puissants que ceux dont elle dispose actuellement, au risque de brouiller un peu plus la ligne de partage entre civils et militaires.

«Dans cette véritable zone grise, quel rôle voulons-nous leur laisser jouer? demande Michael Donovan, chercheur au Centre pour les informations de défense à Washington, interrogé récemment par The Guardian. C'est une chose qu'ils assurent la sécurité de Karzaï (ndlr: le président de l'Afghanistan), c'en est une autre de les faire combattre à votre place.»

quinta-feira, abril 29, 2004

Índice de hoje 

- Na Turquia (candidata à UE) pai e irmão assassinam uma criança violada para "lavar a honra" (ABC, Madrid)
- A ONU não quer assumir a segurança no Iraque (ABC, Madrid)
- Porque os islamitas radicais matam na Síria e na Arábia Saudita (ABC, Madrid)
- A Europa que Chirac quer (Le Monde, Paris)

Na Turquia (candidata à UE) pai e irmão assassinam uma criança violada para "lavar a honra" 

ABC

BURAK AKINCI (AFP)/ANKARA.
El asesinato por su propia padre de una niña de 14 años que había sido violada ha reavivado el debate sobre los «crímenes de honor» en Turquía. País musulmán candidato a integrar la Unión Europea, perviven todavía mentalidades y tradiciones jurídicas que son a menudo contrarias a las normas occidentales.

Lo que escandalizó esta vez no sólo es la edad de la niña, de sólo 14 años, y su condición de doble víctima, sino además el hecho de que el asesinato fuera decidido por un «consejo de familia», es decir todos los miembros de la misma, hombres y mujeres, cuyo móvil fue la «preservación del honor». Los hechos se produjeron en Avcilar, barrio popular de Estambul, donde la niña Nuran Halitoglu fue secuestrada a fines de marzo por un hombre de unos 20 años cuando se dirigía al mercado, según la prensa turca.

La joven fue encerrada por su secuestrador en una casa y violada durante cuatro días, al cabo de los cuales logró escaparse. Su agresor fue detenido por la Policía y encarcelado. Pero la familia de la víctima, natural de Van, provincia pobre del este del país en la que las tradiciones ancestrales son sumamente respetadas, estimó que su honor había sido manchado y decidió matar a la niña para lavarlo, encargando a su padre y a su hermano de 17 años la ejecución del crimen.

Estrangulada con un cable

La niña fue estrangulada con un cable eléctrico en la casa familiar y su cuerpo enterrado en un bosque, precisa el diario Milliyet. Para tratar de ocultar los hechos, la familia denunció a las autoridades la desaparición de Nuran. Pero la denuncia provocó una investigación, al cabo de la cual la Policía encontró el cuerpo de la víctima y detuvo a 14 personas, entre las cuales el padre, quien confesó el crimen. El padre y el hermano explicaron a la Policía que trataron primeramente de matar al violador de Nuran, pero que no pudieron lograrlo a raíz de las medidas de seguridad que rodearon su comparecencia ante el tribunal.

El caso conmociona a Turquía, país musulmán pero de Estado laico, y los grandes periódicos consagraban ayer sus primeras planas a este asesinato. En julio pasado, el Parlamento turcó derogó el texto de ley que preveía reducciones de penas para las personas culpables de los llamados «crímenes de honor». No obstante, y a pesar de las protestas de las organizaciones feministas, el Parlamento turco no ha derogado todavía las reducciones de penas otorgadas por actos de violencia cometidos como reacción a una «fuerte provocación», motivo alegado a menudo ante los tribunales para justificar los «crímenes de honor». «No hay que recompensar las tradiciones sobrepasadas», declaró Husnu Ondul, presidente de la Asociación turca de Derechos Humanos, que exige que los autores de dichos crímenes no se beneficien con ninguna circunstancia atenuante.

Decenas de «crímenes de honor» son cometidos cada año en Turquía. En febrero pasado, una mujer fue asesinada a balazos en el hospital en el que era atendida tras una primera tentativa de asesinato de la familia, que quería vengarse de ella por haber tenido un hijo fuera del matrimonio. Diversas organizaciones humanitarias han cifrado en más de 1.500 el número de mujeres muertas en países musulmanes por este motivo. En Jordania se han llegado a crear refugios para mujeres que se consideren amenazadas.

A ONU não quer assumir a segurança no Iraque 

ABC

ALFONSO ARMADA CORRESPONSAL NACIONES UNIDAS/
La pesadumbre ante el constante deterioro de la situación internacional, la violencia que devora Irak y las durísimas acusaciones lanzadas contra él desde algunos sectores de la Prensa estadounidense por las supuestas corruptelas cometidas dentro del programa «petróleo por alimentos» para ayudar a los iraquíes durante el embargo, hicieron mella en la conferencia de Prensa que ayer ofreció en la sede de la ONU su secretario general, Kofi Annan.

Mientras las pantallas seguían retransmitiendo imágenes de las columnas de humo de Faluya y de los bombardeos de los aviones estadounidenses en la ciudad iraquí, Annan excluyó ayer que, a raíz del plan elaborado por Lajdar Brahimi para el traspaso de poder en Bagdad de las potencias ocupantes a un gobierno provisional iraquí, la ONU vaya a hacerse cargo de la seguridad.

A la defensiva, a veces titubeante y con muestras de cansancio y pesar, Annan hizo un llamamiento «a todas las partes» para que «se abstengan de recurrir a la violencia, respeten la ley humanitaria internacional» y den una oportunidad al proceso de transición política. El secretario general repitió con otras palabras lo que su enviado especial dijo la víspera ante el Consejo de Seguridad: que el fin de la ocupación contribuirá a reducir la violencia, aunque tal vez no del todo.

Descartó el retorno del personal de la ONU a Bagdad hasta que no se den unas mínimas condiciones de seguridad, y de momento no va a nombrar a un nuevo representante especial en Irak para sustituir a Vieira de Mello, asesinado el pasado mes de agosto en la capital iraquí con dos decenas de miembros de la organización. Ante la violencia que se vive en lugares como Faluya, Nayaf y Kerbala, Annan aseguró que «cuanto más se perciba a los ocupantes dando pasos que dañan a los civiles y la población, más crecerán las filas de la resistencia».

Encajó preguntas sobre el supuesto fraude denunciado en el programa controlado por la organización para ofrecer ayuda a los iraquíes con los beneficios de la venta de su petróleo, y recordó que había en marcha una investigación.

Porque os islamitas radicais matam na Síria e na Arábia Saudita 

ABC

FRANCISCO DE ANDRÉS/
El integrismo islámico fue aplastado en Siria en 1982, cuando el Ejército de Hafez al Assad, el sátrapa clónico de Sadam Husein, bombardeó sin piedad por tierra y aire la ciudad de Hama, considerada un feudo de los Hermanos Musulmanes. Hace falta un punto de temeridad para penetrar en el reino del León de Damasco, hoy gobernado por su hijo, con acciones terroristas como la del pasado martes. El ataque, de confirmarse que es obra de alguna célula local de Al Qaida, demuestra que el terrorismo es ciego. El islamista de los fieles de Bin Laden es, además, suicida. No es lo mismo golpear en el «Occidente infiel» que hacerlo en Riad, guardián de los lugares santos de Meca y Medina, en Jordania -donde el atentado frustrado hace un par de semanas podría haber causado muchos miles de víctimas, según afirman hoy las autoridades-, o ahora en Damasco, epicentro oficial de la actividad antisionista en Oriente Próximo y famosa por la reputación de su omnipresente policía secreta. La red de Al Qaida ha decidido romper el tabú del terrorismo en casa, y parece dispuesta a correr con todos los gastos.

Desde la puridad de sus alucinantes principios, los ataques integristas en Riad o en Damasco tienen su lógica interna. El régimen monárquico saudí vende sus recursos a Occidente, y ha «mancillado» sin remedio el honor sacro de la tierra del profeta desde que ofreció su territorio al Ejército de Estados Unidos durante la Primera Guerra del Golfo. La peculiar «fatua» dictada por Bin Laden exige el derrocamiento de la Casa de los Saud, asentada sin embargo sobre un pacto con la más integrista de las sectas musulmanes.

Siria es la punta de lanza del mundo árabe juramentado en la destrucción del Estado de Israel, orbita, según la Administración Bush, muy cerca del «eje del mal», y respalda al menos indirectamente la revuelta en Irak contra las tropas norteamericanas. Pero al mismo tiempo está gobernada por un régimen laico que reprime sin piedad a los fanáticos de la ley islámica, y flirtea con Estados Unidos entre bastidores. No hay que descartar que todo sea una maniobra de distracción del régimen sirio, amenazado por las sanciones de Washington; ni la tesis contraria: que los adoradores comienzan a devorar a sus propios ídolos.

A Europa que Chirac quer 

Le Monde

Nous publions les propos liminaires du président de la République à la conférence de presse qu'il devait donner, jeudi 29 avril, à l'occasion de l'élargissement de l'Europe à vingt-cinq pays, le 1er mai

Dans deux jours, le 1er mai, l'Union européenne va franchir une étape majeure de son histoire.

En s'élargissant à dix nouveaux membres, en passant de quinze à vingt-cinq pays, l'Europe va renouer avec son passé et retrouver sa géographie. Le rêve de ses pères fondateurs, au premier rang desquels Français et Allemands, la généreuse utopie surgie des décombres de la guerre et de la barbarie, tout cela va devenir réalité.

A la veille de cet événement historique, j'ai souhaité vous rencontrer pour vous dire ma vision de l'Europe, une Europe que je veux puissante. Je veux dire aux Françaises et aux Français que cette Europe, qui est notre héritage et notre patrimoine commun, demeure plus que jamais une chance pour nous et pour notre avenir.

Depuis plus de cinquante ans, l'Europe n'a cessé de progresser. Dans les semaines qui viennent, trois événements décisifs vont engager durablement son avenir et, par voie de conséquence, celui des Françaises et des Français.

D'abord, l'élargissement. En accueillant les pays qui ont le plus souffert des divisions du passé, l'Union fait un pas de géant. Elle s'ouvre de nouveaux horizons.

La France se réjouit de ce succès. Parce que cet élargissement va enraciner la paix, cette paix dont l'histoire nous a dramatiquement enseigné le prix, et aussi la démocratie, gage de liberté et de stabilité sur notre continent.

Parce qu'il ouvre aussi de formidables perspectives d'échanges entre les hommes, entre les idées, entre les cultures.

Parce que, forte de ses 450 millions d'habitants, l'Union s'impose comme une puissance économique de premier rang, où la croissance et les investissements créeront une nouvelle dynamique au service de l'emploi. C'est un processus dans lequel chacun sera gagnant, comme en témoignent les expériences réussies des élargissements précédents.

Parce que enfin cette Europe rassemblée pèsera davantage dans le monde. Avec 25 pays, l'Union européenne formera, derrière la Chine et l'Inde, le troisième ensemble démographique de la planète et près du quart de la richesse mondiale.

Fruit d'une nécessité, d'un idéal et d'une volonté, l'Europe prouve, avec cet élargissement, le plus important de son histoire, la force irrésistible du projet qui l'anime depuis l'origine. Il symbolise à lui seul, après des décennies de souffrances, de conflits et d'affrontements, l'espérance de plusieurs générations d'Européens. Je me rendrai le 1er mai à Dublin, capitale de la présidence de l'Union, pour célébrer cette grande fête de la famille européenne enfin réunifiée.

Deuxième événement, le 13 juin, les Françaises et les Français, comme tous leurs voisins, vont élire un nouveau Parlement européen. C'est une institution dont les décisions ont de plus en plus de conséquences sur notre législation nationale, sur notre économie, sur notre cadre social et, plus généralement, sur notre vie quotidienne.

Or je constate que le poids et l'influence de la France au sein du Parlement européen ne sont pas à la hauteur des enjeux pour notre pays. Je souhaite que les futurs députés français sachent se regrouper pour faire entendre, de façon plus efficace, la voix de notre nation. Par ailleurs, je voudrais souligner qu'être élu à Strasbourg requiert un engagement à plein temps pour accomplir sa mission.

C'est dire l'importance de cette élection qui mérite que tous les Français se mobilisent pour aller voter. Les 78 députés français qui siégeront à Strasbourg auront un rôle essentiel à jouer pour défendre les intérêts de la France en Europe au cours des cinq prochaines années.

Troisième événement, les 17 et 18 juin prochain, le Conseil européen se réunira pour aboutir, je l'espère, à un accord sur le projet de traité constitutionnel. Cet accord est aujourd'hui nécessaire et possible. L'Europe à vingt-cinq a besoin d'une Constitution pour fonctionner de façon plus efficace, pour mieux répondre aux attentes des citoyens, pour s'affirmer davantage dans le monde. Nous faisons toute confiance à la présidence irlandaise pour rapprocher les points de vue et présenter une solution d'ensemble fidèle à l'ambition du texte qui a été élaboré par la Convention que présidait M. Valéry Giscard d'Estaing.

Cette nouvelle Union à vingt-cinq est la poursuite de la grande et belle aventure européenne engagée depuis la fin de la dernière guerre. C'est aussi la poursuite, depuis plus de cinquante ans, d'une politique menée avec constance, courage et détermination par tous mes prédécesseurs et par tous les gouvernements français, quelle que soit leur sensibilité politique, et ceci au nom d'une vision française de l'Europe que nous avons tous en partage. Dans les dernières années, cette vision nous a amenés à franchir un pas essentiel avec l'euro.

L'Europe est d'abord une communauté de valeurs et de principes avant d'être une communauté d'intérêts. C'est l'Europe des hommes, plus qu'une Europe des marchés. Une Europe de la liberté et du droit.

Une Europe qui, par rapport à d'autres grands ensembles du monde, est profondément attachée à la singularité de son modèle social, à l'initiative individuelle, tout comme aux valeurs de justice et de solidarité. Une Europe pour qui la prospérité n'a de sens que mise au service de tous. Une Europe ouverte au monde, conquérante sur les marchés extérieurs, confiante dans ses atouts et ses talents.

Une Europe européenne enfin, fière de sa longue histoire et de son indépendance, une Europe qui exprime sur la scène internationale son message de paix, de dialogue et de tolérance. Une Europe respectueuse de la diversité culturelle et soucieuse d'un développement harmonieux et durable de la planète.

C'est cette Europe-là que nous voulons bâtir. Elle est notre bien commun, celui de chaque Française et de chaque Français.

Mais cette nouvelle Europe est aussi un défi. Et très légitimement les Françaises et les Français s'interrogent. Que leur apporte concrètement l'Europe ? Comment rester français tout en étant de plus en plus européen ? Quelles seront les limites politiques et géographiques du projet européen ? Quelle sera la capacité de cette Europe élargie à aller de l'avant ?

Je veux leur dire avec force combien l'avenir de la France et l'avenir de l'Europe sont intimement liés. L'Europe ne se substitue pas à nos nations. Elle les rassemble pour leur donner plus de force. Elle n'est pas synonyme d'abandon, de renoncement, de dilution de notre identité, mais au contraire de prospérité, de justice et de rayonnement accru dans le monde. Je veux leur dire qu'aujourd'hui comme hier l'Europe demeure une formidable espérance, un destin partagé, une ambition pour tous.

Ambition d'abord d'une Europe de la croissance, de l'emploi et de la justice sociale.

Avec un marché élargi, une monnaie unique, des règles de concurrence harmonisées, l'Europe dispose de beaucoup d'atouts pour plus de croissance, pour plus d'emplois. Deux tiers de nos échanges se font aujourd'hui au sein de l'Union. L'euro est un succès : il donne à l'Europe cette stabilité monétaire qui lui a fait si longtemps défaut pour se développer. Souvenons-nous du coût social des dévaluations ! L'euro nous permet d'être plus forts dans la compétition mondiale.

L'Union nous rend également plus forts dans la mondialisation. Elle nous donne tout le poids de la première puissance commerciale du monde pour défendre nos intérêts et faire prévaloir notre conception d'une mondialisation humanisée et maîtrisée.

Mais soyons lucides. D'autres grands ensembles dans le monde progressent plus vite que nous. En Europe le chômage reste élevé, la population vieillit, nos systèmes sociaux traversent des crises d'adaptation, nos économies sont confrontées à une concurrence accrue. Face à ces défis, la volonté européenne doit s'affirmer.

L'Europe doit investir massivement dans la recherche et l'innovation. Lancer de grands projets scientifiques comme Galileo ou Iter. Rester un pôle de référence dans les domaines de l'éducation, du savoir et de la connaissance. Favoriser l'émergence de nouveaux champions industriels et technologiques. Conforter sa position mondiale dans le domaine agricole et alimentaire.

L'Europe se comprend aussi comme un grand espace social qui donne toute sa place à la solidarité et à la justice. La protection des travailleurs, le dialogue social, la politique de l'emploi, la qualité des services publics s'inscrivent au cœur du modèle européen. La France y est particulièrement attachée et fait tout pour en convaincre ses partenaires européens.

Ambition aussi pour une Europe forte et sûre.

L'Europe nous protège. Elle nous permet de lutter plus efficacement contre le terrorisme, l'immigration clandestine ou les trafics liés au crime organisé. En renforçant notre coopération avec nos partenaires de l'Union en matière de police et de justice, nous assurons mieux la sécurité des Français et de leurs voisins européens, dans le respect de l'Etat de droit et de nos valeurs démocratiques. L'Europe nous aide à protéger notre environnement, notre sécurité alimentaire, notre littoral.

Rappelons aussi que l'Europe de la défense nous permet maintenant de nous mobiliser ensemble, avec nos moyens propres, au service de la paix et du droit international.

Ambition enfin d'une Europe de la jeunesse, de la création et de l'intelligence. L'Europe de demain devra être l'Europe de l'éducation et de la culture. Une Europe où chaque jeune devrait parler au moins deux langues étrangères, où chaque étudiant pourra poursuivre ses études dans les universités de l'Union grâce à un véritable espace européen de l'éducation.

Une Europe qui assure à tous ses créateurs une meilleure protection de leurs droits par une lutte sans merci contre la piraterie et un soutien efficace à ses industries culturelles. La reconnaissance de la diversité culturelle et linguistique dans la future Constitution ouvre à notre continent des chantiers exaltants.

Bien évidemment, la France ne pourra porter cette nouvelle ambition que si elle sait préserver, dans cette Europe élargie, sa force, son dynamisme et sa capacité d'entraînement.

La France veut une Europe qui soit en mesure d'avancer, d'agir et de décider. Elle veut une Europe qui marche. La rénovation des institutions européennes est à cet égard indispensable pour assurer la cohérence de l'action de l'Union, pour lui permettre de prendre ses décisions plus facilement, pour conforter sa légitimité démocratique en y associant plus étroitement les Parlements nationaux.

La France veut une Europe fondée sur des majorités d'action et non sur des minorités de blocage. Elle se battra pour que les décisions soient prises, autant que possible, à la majorité qualifiée, afin d'éviter la paralysie de l'unanimité. Elle veillera à ce que la Commission puisse continuer à incarner et promouvoir l'intérêt général européen.

Tels sont les enjeux des négociations finales sur la Constitution européenne.

Demain comme hier, la France entend jouer tout son rôle dans cette nouvelle Europe. Elle veillera à ce que l'Europe reste fidèle à ses valeurs, à son idéal fondateur de paix et de démocratie, à l'aspiration de ses peuples à partager une communauté de destin originale. C'est en mettant en œuvre ces principes que l'Europe pourra construire avec confiance son avenir et que les Françaises et les Français pourront mieux faire face au monde de demain. Voilà l'Europe que nous voulons.

quarta-feira, abril 28, 2004

Apesar da retirada... os espanhóis ainda são atacados no Iraque 

ABC

LAURA L. CARO ENVIADA ESPECIAL/KUWAIT.
Fuentes militares confirmaron ayer a ABC que el número de insurgentes muertos el pasado lunes en la emboscada tendida a soldados españoles en Diwaniya fue de siete, y no de seis como se difundió oficialmente, y que a ellos hay que sumar otros cuatro guerrilleros iraquíes que fueron abatidos a tiros en las proximidades de Base España.

Según explicaron las mismas fuentes, que presenciaron lo sucedido, los hechos ocurrieron cuando un número indeterminado de insurgentes empezó a lanzar proyectiles contra Base España, algunos de los cuales cayeron dentro del territorio del acuartelamiento. En una operación de defensa ajustada a la agresión que se estaba recibiendo, desde el puesto de control del campamento, dotado siempre de francotiradores, se repelió la agresión abriendo fuego contra los asaltantes, cuatro de los cuales perdieron la vida. Ninguno de nuestros soldados sufrió daños en estos sucesos.

El violento incidente tenía lugar después de que, por la mañana, una patrulla de Caballería fuera atacada a dos kilómetros de la Base por un grupo de miembros del Ejército Mahdi que lidera el clerigo chií Moqtada Al Sadr. El enfrentamiento se tradujo en un combate de más de tres horas, en el que murieron siete guerrilleros, -y no seis, como había trascendido hasta el momento-, y otros dos resultaron heridos, por lo que tuvieron que ser atendidos en el Escalón Médico Avanzado de la Base de Diwaniya, donde se procedió a extraerles metralla que tenían incrustada en el cuerpo.

Todo lo ocurrido el lunes tenía precedente en otro ataque perpetrado apenas 24 horas antes, esta vez en medio del casco urbano de Diwaniya, en el que las tropas espanolas abatieron a dos guerrilleros en una acción de autodefensa.

Escalada de atentados

La escalada de atentados contra Base España y sus ocupantes que se ha conocido estos días a través de comunicados y declaraciones oficiales, ha aumentado la tensión y ha llevado a extremar las medidas de seguridad en el cuartel, donde pocos días antes se registraba una insólita calma, en un principio atribuible a la tregua anunciada por Al Sadr. A lo largo de abril han sido frecuentes los ataques nocturnos al acuartelamiento, donde preocupa que los guerrilleros estén utilizando proyectiles cada vez de mayor calibre, que han llegado a impactar muy cerca de la zona habitada de las instalaciones, según reconocía ayer uno de los militares del contingente.

Por otro lado, a las seis de la madrugada de ayer abandonaban el cuartel de Diwaniya los últimos 260 efectivos pertenecientes a la Brigada Plus Ultra II que quedaban en Irak, y que han sido sustituidos por la Unidad de Repliegue que se encargará de la operación de vuelta a casa. Los soldados salían ayer del lugar del conflicto después de cumplir una misión de cuatro meses, a bordo de autobuses civiles kuwaities contratados por el Ejército de Estados Unidos para conducirles a Kuwait, donde al cierre de esta edición se encontraban en espera de ser llevados al aeropuerto para su traslado a Badajoz enun vuelo chárter de Air Europa alquilado por el Ministerio de Defensa.

En su convoy también salió de Irak material procedente del desmantelamiento de Base España que será almacenado en Kuwait para su posterior transporte a la Península por vía marítima. En contra de lo que se anunció en un principio, no todos los elementos que hoy hacen del cuartel de Diwaniya una pequeña ciudad volverán a España pues resulta más caro desplazarlos que volver a comprarlos.

terça-feira, abril 27, 2004

500 anos depois... percebe-se como funcionava o carro de Leonardo da Vinci 

La voiture de Léonard de Vinci livre son secret vieux de 500 ans

Bertrand Walckenaer
De l'hélicoptère au char de combat, en passant par l'avion, le parachute et la bicyclette, Léonard de Vinci, parangon du génie universel a presque tout imaginé de notre monde moderne. Récemment, des chercheurs ont percé un secret vieux de cinq cents ans, le fonctionnement de la première voiture jamais inventée.

Dessinés par Léonard de Vinci en 1478, les plans de cet engin ont été rassemblés avec d'autres inventions dans un recueil de manuscrits, le Codex Atlantique, gardé à la bibliothèque Ambrosiana à Milan. L'objet de toutes les recherches, le feuillet 812, détaille sans légendes un schéma de voiture autotractée et son mécanisme vu en plans de coupe, de côté et du dessus.

Cinq tentatives pour reconstituer le char à trois roues avaient été faites depuis le début du XXe siècle, en Italie et en France. L'une d'elles, construite en 1953, est exposée au Musée du Clos-Lucé près d'Amboise mais aucune n'a jamais fonctionné.

Carlo Pedretti, directeur du Centre Armand Hammer de Los Angeles pour les études sur Léonard de Vinci, et Mark Rosheim, informaticien américain, ont fini par résoudre le problème dont la solution a été présentée vendredi dernier à Florence.

C'est en imaginant dès 1975 une pièce non visible sur les plans dessinés par le génie italien que Carlo Pedretti a fini par réussir à reconstituer le mécanisme à l'origine du mouvement du char automoteur. Mélange d'horlogerie et de mécanique, deux ressorts à lame se remontant à la main permettent de transmettre le mouvement aux deux roues motrices de l'automobile. «Aucun document ne prouve que l'engin a un jour roulé, mais le succès de notre entreprise tend à montrer que Léonard a pu l'expérimenter», raconte Paolo Galluzzi, directeur du musée florentin. Une fois le frein libéré à distance au moyen d'une corde, le ressort dont le relâchement est contrôlé par un dispositif situé sur le dessus de la voiture, lui permet de parcourir une trentaine de mètres et même de faire des virages.

La reconstitution numérique de la voiture en trois dimensions a permis de comprendre comment l'ensemble fonctionnait. Trois prototypes, dont un grandeur nature, long d'environ un deux mètres, ont notamment permis de valider les résultats obtenus après modélisation. «Sans la possibilité de tester le modèle numériquement, nous n'aurions pas pu aboutir car il aurait fallu construire un grand nombre de prototypes», souligne Paolo Galluzzi.

La sélection des matériaux de construction adéquats fut difficile. A partir de l'analyse des écrits du savant italien, cinq essences d'arbres, parmi lesquelles on trouve le chêne, l'orme et le hêtre ont été choisies en plus du métal, affectant à chacune un rôle en fonction de leur propriété : élasticité, friction, rigidité.

De façon assez étonnante, cette voiture ne fut pas construite initialement pour servir d'engin de déplacement, mais au contraire «comme un objet de divertissement, témoigne Paolo Galluzzi. Il faut imaginer l'engin au milieu d'un festival, mis en mouvement à distance et se déplaçant par magie sans l'intervention de l'homme».

Le char automoteur est exposé jusqu'au 5 juin au Istituto e Museo di Storia della Scienza, à Florence. (http ://brunelleschi.imss.fi.it/automobile/index.htm)

Imitar a revolução 

Diário de Notícias

VASCO PULIDO VALENTE
O «25 de Abril» foi feito porque o Exército, digo bem, o Exército (a Força Aérea e a Marinha não passaram de pequenos comparsas) não queria e, em certa medida, não podia, continuar a guerra. Não vamos discutir as razões (corporativas, demográficas, diplomáticas) deste facto, mas subsiste que ele esteve na origem de tudo. Os «capitães» (patente genérica) que se pronunciaram contra a ditadura (do pronunciamento falaremos depois) não tinham um plano, ou sequer uma ideia, para o país. Normalmente pouco educados, se pensavam no assunto, era para partilhar os lugares-comuns «socializantes» da oposição urbana e estudantil. Por si só, o famoso «Programa do MFA», incoerente e sumário, revela bem o vácuo para que se empurraram os portugueses, tanto aqui como em África. Por um lado, prometia eleições. Por outro, a «reforma agrária» e «uma estratégia antimonopolista», dois pontos cruciais, retirados da vulgata do PC. Suponho que à altura se tratava principalmente de angariar o apoio ecuménico da Esquerda e Centro-Esquerda contra a putativa resistência do regime. Como a seguir se constatou, ninguém mediu com seriedade, ou sensatez, as prováveis consequências do «Programa». A irresponsabilidade, típica entre militares, reinava. Pior ainda: como não se podia decentemente pôr um capitão ou um major à frente do Estado, o MFA entrou numa aliança indefinida com o general Spínola e o general Costa Gomes. Megalómano e autoritário e, além disso, ignorante, Spínola «escrevera» um livro (de facto escrito por oficiais da sua confiança), o Portugal e o Futuro, em que propunha uma «Comunidade Lusíada» ou coisa assim, e em que velhos preconceitos (do tipo: o nosso preto é nosso amigo) se misturam a uma inconcebível imprudência e à mais vertiginosa estupidez. Logo do princípio existiram, portanto, dois programas, um pior do que outro, e duas facções. Faltava «sair» e estabelecer o caos.

A «REVOLUÇÃO»

A «revolução de Abril», como romântica e fraudulentamente lhe chama a Esquerda, foi um mero pronunciamento clássico. Para quem não saiba: uma unidade ou grupo de unidades declara a sua oposição ao governo do dia (geralmente, mas não necessariamente, ocupando alguns lugares de importância estratégica - estradas, pontes, praças, portos, aeroportos, telégrafo, telefones, rádio, televisão e por aí fora) e, a seguir a esta desobediência activa, espera para ver o que decidem as forças militares fora da conjura. Se estas não marcham em massa contra os insurrectos, se não se mexem ou se aderem, o «golpe» ganhou. Manda a tradição que não haja violência. O pronunciamento é, como se dizia, um exercício de «contar espingardas». Quase nenhuma espingarda se apresentou a defender Caetano e as que apareceram, examinada a situação, retiraram em paz. Só a Guarda Republicana, aqui e ali, resistiu algum tempo; não muito e não muito convictamente.

Verdade que em Lisboa o «povo» veio desde o começo para a rua aplaudir as tropas e que esse apoio cresceu com a certeza da impunidade. E verdade também que, uma vez consumada a derrota do regime, houve por Portugal inteiro manifestações de grande entusiasmo e extraordinária dimensão. Isto, de certa maneira, legitimava o «golpe» contra uma ditadura, a que o país tinha um ódio tão universal e tão violento. Não legitimava mais nada. Como não legitimava nada, o assalto, inaugurado a 26 de Abril, a toda a espécie e género de autoridade, ligada ou não ao regime, que nos primeiros meses chegou espontaneamente a inimagináveis proporções. À sombra do Salazarismo e do Caetanismo viviam e cresciam mil tiranias diversas. O ajuste de contas era inevitável (e não deixou, em parte, de ser salutar), mas também não permitia que se tirasse dele qualquer conclusão política. Infelizmente, o MFA, já «aconselhado» pela Extrema-Esquerda, pelo PC e até pelo PS, resolveu arrogar para si, na única base da efervescência popular, uma fiança metafísica, com a designação absurda de «legitimidade revolucionária», com que durante anos justificou o seu poder absoluto e arbitrário. A revolução, propriamente dita, nunca existiu. Existiu, a partir de 28 de Setembro de 1974, uma tentativa, conduzida pelo Partido Comunista, para tomar conta do Estado e estabelecer pela força em Portugal um regime soviético, de que no seu lugar se tratará.

A DESCOLONIZAÇÃO

Para começar, convém esclarecer um equívoco hoje comum: apesar da propaganda jacobina e da pregação salazarista (o célebre mapa da Europa com as colónias sobrepostas), o nacionalismo português jamais verdadeiramente incluiu o império de África. Em 1910, a população branca em Angola e Moçambique andava por 15 000 pessoas; no fim da Segunda Guerra por 70 000. Só em meados da década de 50 e principalmente quando começou a guerra é que os números subiram. Os portugueses não emigravam para África. Emigravam para o Brasil e, a seguir, emigraram para a Europa. Para países ricos, não para países pobres. Como se compreenderá. O que, juntamente com a crónica miséria da «metrópole», teve dois consideráveis resultados. Por um lado, a colonização portuguesa, que durou de facto vinte anos (de 1955 a 1974), não chegou para criar em Angola e Moçambique (e menos na Guiné) uma sociedade moderna ou semimoderna, capaz de se autogovernar. E, por outro lado, os portugueses, a quem a ditadura obrigava a defender o império, não o estimavam e mesmo gostariam de o perder. Assim, sem colonização, a descolonização estava sempre condenada a ser um desastre e os portugueses assistiriam sempre, como assistiram, com indiferença a esse desastre.

O MFA nascera para impor o abandono imediato de África. A «liberdade», a democracia e o socialismo real ou irreal eram, se eram, corolários desse objectivo e ocupavam na cabeça dos «capitães de Abril» um lugar remoto e obscuro. Spínola, na sua perpétua inconsciência, ainda tentou impor a «Comunidade», que tão laboriosamente congeminara, e até desceu a discursar às tropas, certamente estupefactas, sobre as pseudoglórias de Marracuene e Magul. Mas Spínola não tinha peso militar e em Julho, no essencial, perdera. Não podia senão perder. O exército no terreno não esperara um minuto para se render e já em Maio, da Guiné a Moçambique, confraternizava aliviada e ardorosamente com o inimigo.

Neste clima, negociar era impossível, porque era claramente inútil. Não se negoceia depois da derrota e essa fora consumada. Restava combinar, e apenas combinar, a entrega de África aos vários «movimentos de libertação», mesmo sabendo que eles não controlavam nada, nem ninguém. Não existia alternativa, excepto evidentemente a de entregar Portugal à Extrema-Esquerda, ao PC e aos «capitães», para garantir que, ele também, seria destruído. Mas, nesta altura, é bom lembrar que o MFA gozou do apoio unânime do país. Não me refiro aos slogans pleonásticos que se escreviam nas paredes. Lembro que não se ouviu um protesto, uma crítica, o mais vago lamento. Para espanto dos que não o conheciam bem, o país mostrou com um silêncio clamoroso que não queria a guerra e que não queria a África. E que não dispensava a menor solidariedade ou compaixão aos brancos que, para seu mal, lá viviam. Nos negros nem pensou.

AVENTURAS DE SPÍNOLA

No Verão de 1974, a insurreição contra a autoridade mudou de carácter e começou a ser obviamente dirigida pelo PC e pela Extrema-Esquerda e a atingir, além do Estado (e daquilo que dele dependia), empresas privadas, fundações (como a Gulbenkian), a propriedade urbana, a propriedade rural (no Ribatejo e no Alentejo), a banca e os seguros. Spínola, então Presidente da República, e a Junta de generais que o acompanhava não tinham maneira de parar isto. O Governo era um apêndice sem força, nem prestígio. Os partidos, excepto o PC, ainda na infância, não contavam. E o MFA (por razões que se explicarão) incitava o tumulto, em vez de o limitar.

A única maneira de estabelecer alguma ordem neste caos crescente era criar uma legitimidade superior à legitimidade «revolucionária» de que o MFA se reclamava. Era simplesmente e, por outras palavras, fazer eleições. Mas, se o «Programa» do MFA prometia eleições para uma futura Constituinte, agora os perigos de uma consulta formal à cidadania (e não ao «povo» que berrava na rua) e do que essa Constituinte viesse a decidir estavam à vista. Se a Direita ganhasse, afastaria fatalmente o MFA de cena e não trataria com brandura os fautores da descolonização e do «levantamento» interno. A ruína (em África) de interesses materiais de peso, 800 000 brancos sem destino, o assalto ao Estado e a devastação da economia interna não se podiam esquecer ou perdoar. Em Agosto, o medo entrou, para ficar, na política portuguesa. O medo do conservadorismo indígena, abalado como nunca na história; o medo dos larguíssimos milhares de voluntários da «revolução», sobre quem pesava a eventual vingança da gente que haviam humilhado ou liquidado; e, acima de tudo, o medo do MFA. O medo, muito mais do que qualquer ideologia ou plano consciente, iria dali em diante determinar a acção à Esquerda e à Direita. Sem perceber esta realidade básica, não se percebe muito.

Spínola resolveu cortar o mal pela raiz, como quem comanda uma operação na Guiné. Do alto da sua inenarrável arrogância, o problema parecia elementar. Primeiro, provocava a sua eleição para Presidente da República: um Presidente com poderes sem limite, que disporia do exército, da GNR e das polícias. Depois, fabricava diligentemente uma Constituição a seu gosto e medida. E, por fim, posto o «povo» no seu lugar, referendava a Constituição. Esta manobra presumia a total passividade da Extrema-Esquerda, do PC e do PS e também que o MFA se deixaria pacificamente imolar. Não admira que as coisas não corressem bem. Falhou uma tentativa ingénua de usar o Governo para os preliminares, de que Sá Carneiro foi em parte responsável e que, na prática, só serviu para remover o Governo (o I Provisório) e dar lugar a outro (o II), presidido pelo coronel Gonçalves, de futura fama. Cortado este caminho, Spínola apelou directamente ao país. A «maioria silenciosa» devia manifestar o seu desejo de ordem e o seu horror ao comunismo e ele, em resposta, convocaria (sem autoridade) a imediata eleição do Presidente. Era a velha ideia de opor a «rua» moderada à «rua» revolucionária. Mas, por enquanto, a «rua» moderada, pouco inclinada a melodramas, ficou tranquilamente em casa e a loucura culminou com uma patética tourada no Campo Pequeno. O miguelismo, sempre o último recurso da Direita portuguesa, encontrava o espírito «moço de forcado» para salvar a Pátria com meia dúzia de nacionalistas, neofascistas, filhos-família e os basbaques do costume. O espectáculo não impressionou o MFA, que prendeu uma centena de pessoas (por um puro motivo político) e na cadeia deliberadamente as maltratou. Spínola, esse, saiu logo de cena com um discurso apocalíptico. O MFA seguiu para a Esquerda, em direcção ao PC. A hipótese de casamento andava no ar.

O MOMENTO DE ÁLVARO CUNHAL

Retrospectivamente, parece impossível como não se percebeu desde o princípio a estratégia de Cunhal. O desembarque no aeroporto da Portela (que vi sem ver) foi uma cópia fiel (e, de resto, encenada) do desembarque de Lenine na estação da Finlândia. O rápido desenvolvimento do partido, com uma política de «porta aberta» para quem fosse útil, era um exercício de manual. A conservação da CDE, agora supérflua, cumpria a regra de «unir» para mandar. A eficiência e rapidez com que o partido tomou conta dos sindicatos vinha nos livros. Como vinha nos livros a necessidade da «Aliança Povo-MFA», na verdade PC-MFA, para infiltrar e eventualmente dominar o exército. E, por último, lá estava a receita universal de uma outra aliança, a aliança operário-camponesa, no caso um ersatz que a ocupação do Estado, a «reforma agrária» e as nacionalizações deviam tornar «realidade». Contra os conselhos do poder soviético (ou, pelo menos, da sua ala mais sóbria), Álvaro Cunhal queria mesmo repetir em Portugal a revolução de Outubro e, é permitido suspeitar, não se achava muito inferior ao mestre.

Este programa, que parece impraticável, tinha no entanto uma grande vantagem: só ele oferecia, à superfície, uma absoluta segurança ao MFA e uma carreira aos seus cabecilhas. O MFA, convém repetir, vivia no medo da retribuição. Demolir Spínola e a Direita política, sobretudo aquela Direita política, não garantia nada. Se não se arrasassem as forças que dominavam a economia, tarde ou cedo uma nova Direita fundaria o seu regime e tarde ou cedo o MFA pagaria com a obscuridade e a miséria (e até talvez, muito «legalmente», com a cadeia) a sua espécie de «libertação». Para sobreviver, o MFA precisava de enterrar o mundo velho. E mais: precisava de preservar indefinidamente o seu poder. Os «capitães» não descobriram isso depressa. Não compreenderam à partida o significado e o alcance do abandono de África. Nem sequer pressentiram a infalível queda do antigo regime e até houve uma altura em que, para evitar sarilhos, se tentaram entender com Caetano. Aceitaram o «programa» do MFA como quem aceita uma formalidade. E, no Verão de '74, ainda alguns se inclinavam para Sá Carneiro. A necessidade é que os trouxe ao PC. Porque o PC oferecia a tábua rasa; e porque, como eles, não queria eleições.

Em Janeiro de 1975, a revolução de Álvaro Cunhal estava a caminho. Os «saneamentos» continuavam com entusiasmo e, agora, com método. O partido controlava ministérios, controlava câmaras, controlava quase toda a imprensa, a televisão e a rádio. Através das «comissões de trabalhadores» (outra figura clássica), conseguia estabelecer um clima de intimidação em centenas de empresas, que, por seu lado, os sindicatos levavam lentamente à parede. E, como sempre, a «inteligência» indígena proclamava como glória a sua vassalagem ao poder do dia. Felizmente, a estratégia de Cunhal tinha dois pontos fracos, de que ele não se apercebeu; ou que o exemplo de Lenine (como a versão soviética o apresentava) não permitia considerar.

Em primeiro lugar, a base social e geográfica da presuntiva revolução era estreita. Geograficamente, o território comunista não ia além da grande Lisboa, do vale do Tejo e do Alentejo (o velho território do jacobinismo). Um exame dos movimentos de Cunhal em '74 e '75 mostra que ele quase nunca passou a sua fronteira. Este limite, no entanto, não decidia tudo. Com pouco mais do que isso, Afonso Costa dominara o país pelo terror e Lenine partira, em proporção, com muito menos. Socialmente, também o PC se reduzia aos «trabalhadores» e a uma modesta parte da pequena-burguesia. Na «rua» faziam com certeza uma enorme impressão. Mas Cunhal, com trinta anos de cadeia e de exílio, vivia em 1940 (como o Rumo à Vitória claramente prova) e não vira, ou registara, a transformação da economia e a emergência de uma nova classe média, com alguma instrução e prosperidade, que a tornavam incapaz de embarcar numa aventura soviética. Essa classe, «progressista» mas conservadora, não existia na época revolucionária histórica. O abismo entre as «duzentas famílias» da imaginação marxista e as «massas» que «nada tinham a perder» fora preenchido. E a «força do PC» talvez não bastasse.

Em segundo lugar, a aliança com o MFA punha um problema, que Álvaro Cunhal sempre ignorou ou fingiu ignorar (pelo menos, não disse ou escreveu uma palavra sobre ele): o problema da divisão do poder. O MFA e, em geral, os militares «comprometidos» não se importavam de colaborar e proteger o PC, na medida em que o PC os servia. Mas, fora uma minoria militante, recentemente convertida, por muito que declarassem o seu amor à revolução, não tencionavam ficar subordinados à hierarquia do partido, quando as coisas viessem a estabilizar. Se não gostavam da ideia de eleições, rejeitavam a autoridade magistral, perpétua e absoluta do PC. Queriam o que Cunhal não lhes podia dar: a partilha do poder. Não um acordo formal, que sabiam precário. Uma partilha que implicasse a independência do MFA. Mas como, sem eleições, garantir essa independência?

ILUSÕES

Entre Setembro de '74 e Março de '75, a situação ficou indefinida. A força do PC aumentava, embora muita gente não acreditasse ainda que seriamente pretendia instalar em Portugal um regime soviético. O PS e o PPD estavam no governo e começavam a criar uma organização nacional. Spínola, retirado e em silêncio, era uma esperança e ameaça pendente. Corriam as noções mais disparatadas. Como de costume, o indígena, na sua fertilidade, ia buscar lá fora os «modelos» da moda: o regime militar, e corria que socialista, do Peru; o «compromisso histórico» com PC, à italiana; o gaullismo com Spínola; a Jugoslávia sem Tito. De qualquer maneira, havia o sentimento de que se devia passar do provisório ao definitivo. Mas, significativamente, não se pensava em resolver a questão com uma campanha eleitoral e com eleições.

Porquê? Porque a «revolução» pertencia aos «revolucionários» (ao MFA, ao PC, à Extrema-Esquerda e até a uma franja do PS) e os «revolucionários» (por razões conhecidas) se recusavam a deixar «tudo na mesma» e sensatamente suspeitavam que, com eleições, não mudariam nada ou não mudariam aquilo que pretendiam mudar. Assim, e por paradoxal que pareça, não podia haver eleições sem uma prévia «mudança» em ditadura e, para haver essa mudança, era necessário primeiro decidir aproximadamente qual, ou seja, que houvesse uma espécie qualquer de entendimento entre os partidários do «socialismo» e os partidários (na altura, envergonhados) da «democracia burguesa». Daqui nasceu o «Plano Melo Antunes».

Melo Antunes, um homem sem formação académica ou outra, que lera o marxismo de rigor na época (principalmente, a intrujice francesa), era o «intelectual» do MFA. Fechado num hotel de Sesimbra, com uma dúzia de «notabilidades», começou diligentemente o trabalho de estabelecer que reformas levariam a sociedade portuguesa a um «socialismo» democrático. Só a atmosfera política do tempo e uma infinita presunção explicam este exercício sem precedente conhecido. O espírito do «25 de Abril» está todo nele: a ilusão de omnipotência, o desprezo pela realidade do mundo, o autoritarismo, a irresponsabilidade. O «Plano» em si próprio não vale o papel em que foi escrito e nem sequer como tentativa de conciliação serviu. Poucos dias depois de ter sido finalmente publicado, veio o «11 de Março».

O «11 DE MARÇO»

O «11 de Março» é um episódio misterioso, que ninguém até hoje esclareceu. Convém por isso relembrar os factos sem especulação: na manhã de 11 de Março de '75, houve um pequeno grupo de unidades que se insurreccionou; uma delas (de resto, nada impressionante) apareceu em frente de um quartel de Lisboa, estabeleceu conversa com um oficial que por acaso lá estava e um ajuntamento ocasional de populares e acabou por se render (tudo isto se viu em directo na RTP); entretanto, um avião obsoleto metralhou o quartel e um soldado morreu; à noite, o general Spínola, sem se explicar, fugiu para Espanha num helicóptero militar. Esta aventura, desmiolada, confusa e frouxa, foi imediatamente promovida a «contra-revolução fascista» pelo MFA e o PC. Existem duas teses sobre o episódio. Primeira, que Spínola era suficientemente insano para ter organizado e desencadeado a coisa (o que, dada a sua história pregressa, não exige uma especial credulidade). E, segunda, que Spínola caiu numa armadilha do PC e da ala radical do MFA (o que, à superfície, é verosímil). Claro que Spínola não tinha um motivo tão forte como o MFA e o PC, porque naquele momento a sua simples presença em Portugal pesava a favor de que se fizessem eleições, que lhe iriam com certeza dar uma influência decisiva (mas não se pode conceder uma presunção de racionalidade a Spínola). Pelo contrário, o PC e os radicais do MFA precisavam desesperadamente de liquidar o «Plano Melo Antunes», liquidando com ele o compromisso com a «burguesia», e, caso não conseguissem evitar eleições, precisavam, pelo menos, de as tornar inócuas.

De qualquer maneira, depois de cenas de histerismo na televisão, em que o primeiro--ministro (o coronel Gonçalves) em especial se distinguiu, e de uma purga no exército e no MFA, os «revolucionários» chegaram aos seus fins. A «reforma agrária» permitiu ocupar os «latifúndios»: «latifúndios» que o «povo» por si só não ocuparia. E, de Lisboa, o governo nacionalizou a banca, os seguros, parte da indústria e centenas de empresas, que resolveu achar incompatíveis com o socialismo que se anunciava. Fora meia dúzia de excepções (nos redutos do PC e da Extrema-Esquerda), esta operação, executada a frio, não respondeu ao mais vago sentimento ou vontade popular. No terreno, a gente do PC e afim bastou para intimidar os gestores (e o resto do pessoal), que passaram a trabalhar para o «socialismo» com o mesmo zelo com que antes trabalhavam para o «capital». Com o tempo, muitos deles viriam naturalmente a ser ministros do PSD e ferozes defensores das «privatizações». Em '75, diziam o que hoje não se atreve a dizer a Extrema-Esquerda.

O «socialismo» português não passou assim de um «estado de coisas», determinado por decreto e, no vale do Tejo e Ribatejo, provocado e dirigido por activistas do MFA e do PC, sem mandato formal ou informal. Tirando a miséria e o atraso a que levou a economia, a «revolução» não tocou no país.

MÁRIO SOARES

Os «capitães» de Abril, que sobreviveram com voz, criaram o mito de que o MFA cumpriu honrada, livre e voluntariamente a sua promessa de fazer eleições. Nada mais falso. Se o fez foi apenas por duas razões: o seu interesse e Mário Soares. Comecemos por Mário Soares. Em toda a Esquerda, que se opunha ao regime mas recusava ser subordinada ou absorvida pelo PC, só ele percebeu que não existia independência possível sem apoio internacional, como sem apoio internacional não existiriam instituições democráticas. Vinte anos de experiência tinham mostrado que o PC era um inimigo sem escrúpulos de qualquer força anti-salazarista (ou antimarcelista), que não controlasse. Sem aliados, ninguém se aguentaria contra ele. E, por isso, enquanto as facções da Esquerda se divertiam com disputas teológicas, Soares criou o PS, com a ajuda do SPD (Partido Social-Democrata Alemão), do Partido Socialista Francês e do Partido Trabalhista. Além do dinheiro, obviamente indispensável, estas ligações (que em absoluto faltavam ao PPD e a Sá Carneiro) permitiram que Soares (não o PS, naquele tempo uma entidade duvidosa) aparecesse aos portugueses como o representante por excelência da Europa, ou seja, da espécie de sociedade em que eles gostariam de viver. Mais: se o PC e a facção radical do MFA decidissem de prescindir de eleições, Soares podia convocar contra eles forças consideráveis. Portugal não é uma ilha como Cuba, é uma parcela da Ibéria com fronteiras porosas, que em '75 tinha um milhão e tal de emigrantes (de primeira geração) em França e na Alemanha. A ideia de uma ditadura soviética, com o país fechado, roçava o delírio. Até Cunhal preferia uma fachada, como, por exemplo, um regime meio militar, em que ele mandasse. Mas, sem a passividade ou a colaboração de Soares, esse caminho estava fechado; e Soares queria eleições.

Por outro lado, também no MFA havia gente que apreciava o perigo, para si e para o país, de não pôr qualquer limite à «revolução» de Cunhal. O exército português, embora derrotado em África e dizimado por sucessivas purgas, não se tornara ainda um ersatz de Exército Vermelho, nem achava a perspectiva agradável. Em última análise, preferiu eleições e uma facção inventou mesmo a obtusa habilidade do «voto em branco», que era supostamente um voto MFA. Mas, mesmo assim, o MFA exigiu garantias e obrigou os partidos a subscrever um «Pacto», em que se comprometiam a respeitar as «conquistas» de «Abril», tanto passadas como futuras; e também a instituir como órgãos de soberania uma Assembleia do MFA e um Conselho da Revolução. Com estas precauções, os «capitães» autorizaram que o país votasse. Os resultados foram devastadores. Com 12,5 por cento para o PC e 7 por cento para o «voto em branco», a «revolução» era clamorosamente rejeitada e Soares, com 38 por cento, era, de facto, o representante do país.

A CONSTITUINTE

A eleição punha agora, e apesar do «Pacto», um problema crucial ao PC e ao MFA: além de mostrar o seu relativo isolamento, criava uma legitimidade nova, a legitimidade democrática, igual ou superior à legitimidade espúria a que chamavam «revolucionária». Em bom princípio, perante ela, não existia, ou devia existir, qualquer outra legitimidade. Quem lera a cartilha sabia muito bem que do sufrágio saía sempre a «contra-revolução». Lenine avisara. Só que Lenine tinha dissolvido à mão armada a Constituinte dele e a situação em Portugal exigia mais subtileza. De qualquer maneira, para a Esquerda e a Extrema-Esquerda era imperativo anular o efeito do voto. A história dos meses seguintes foi a história do esforço para que a vontade do «povo progressista» prevalecesse sobre a vontade dos portugueses. O MFA e o PC insistiram logo, invocando o «Pacto», que a revolução não acabara. O que eventualmente decidissem os representantes do país não podia prejudicar o «avanço» triunfal da «revolução», nas direcções que determinasse a sua vanguarda civil e militar. A Constituinte não devia ir além do seu mandato, ou seja, devia produzir uma Constituição e, sobretudo, não se devia imiscuir na vida política corrente, exercendo o seu direito de vigiar o PC e o MFA. Em S. Bento - e para tornar absoluto este interdito - até o período dito «antes da ordem do dia» suscitou a fúria do PC, que terminantemente o recusava, não se lembrasse alguém de falar na Assembleia sobre o que se sucedia cá fora.

Entretanto, a televisão e os jornais condenavam a própria ideia da Constituinte como inútil e «reaccionária» e ridicularizavam na prosa grosseira do PC, na altura em moda, as sessões que se iam fazendo numa atmosfera de constrangimento. O jornalismo (depois, democrático) desceu sem dificuldade ao fundo da subserviência e da sordidez. Pior: foram muitas vezes jornalistas que instalaram na RTP e na imprensa «comissões de censura» para zelar pela pureza «revolucionária» ou denunciaram quem achavam incapaz de se «adaptar» ao «processo em curso». Isto, como de costume, copiava a táctica de Lenine. E não se trata aqui de uma figura de estilo: apareciam artigos fielmente plagiados do cânone comunista. Cunhal, que ordenara este exercício, seguia as regras.

Além destas pressões directas, também vários grupos militares tentaram insistentemente que a Constituinte alargasse o seu poder para além do «Pacto». Corriam de mão em mão Constituições que davam ao MFA um terço dos lugares numa putativa assembleia unicamaral (os deputados seriam escolhidos por eleição interna) ou criavam uma espécie de Senado, exclusivamente extraído do MFA, para vigiar a câmara baixa e, através dela, como se calculará, os portugueses. Não admira. A eleição de '75 confirmara as piores suspeitas dos «capitães de Abril» e transformara em pânico o já vasto medo de represálias. Claro que esse pânico talvez se viesse a transformar - como se transformou - num desesperado desejo de compromisso. Em Maio de '75, no entanto, ainda não chegara o momento. O objectivo principal era liquidar Soares, porque sem Soares nem a legitimidade eleitoral, nem a Constituinte valiam nada.

ATAQUE E RESISTÊNCIA

Com a imprensa, a rádio e a televisão controladas por fanáticos da Extrema-Esquerda e do PC, e apesar da sua medíocre tiragem, A República do PS, como único jornal comprovadamente livre, simbolizava a determinação de resistência ao plano de instalar em Portugal um regime soviético. A 19 de Maio, a Extrema-Esquerda convenceu os trabalhadores (mas não os redactores) a «demitir» a direcção. A 20, indiferente a algumas manifestações de protesto, uma unidade militar evacuou e fechou as premissas. Injustificável e provocatória, esta operação (a que o PC, no fundo aprovando, ficou pudicamente alheio) suscitou um escândalo na Europa e esclareceu a opinião socialista, que admirava os «capitães de Abri» e desconfiava de Soares, sobre a genuína natureza do «processo revolucionário» português. Da usual peregrinação de «intelectuais» maravilhados (entre eles, como sempre, Sartre e Beauvoir, no seu último espectáculo de indigência e má fé), o clima foi mudando para um apoio cada vez mais largo e mais convicto à resistência do PS.

Com o assalto à República, Soares perdeu a imprensa. Mas já o PC, a 30 de Abril, cinco dias depois da eleição que revelara a sua impopularidade e a sua fraqueza, se preparava para lhe tirar, por decreto, os sindicatos. O decreto em causa, aprovado pelo governo e pelo Conselho da Revolução estabelecia que só houvesse um sindicato por ramo de actividade - a «unicidade sindical» - coisa que, em princípio, permitiria ao PC penetrar e controlar os sindicatos da «classe média». Cunhal voltava com isto a exibir a sua incompreensão do país moderno. Nem os sindicatos tinham a importância e o peso que ele supunha, nem a classe média tencionava engolir o PC em paz. Pelo contrário, a oposição do PS à «unicidade sindical», inaugurada com um discurso de Salgado Zenha, contribuiu decisivamente para tornar a classe média militante e a fazer aceitar a direcção política de Mário Soares. Foi nessa altura que se inventou o slogan «PC escuta, o PS está em luta» e que o anti-comunismo desceu à «rua». A partir de Julho, a «rua», que antes pertencia à Esquerda e à Extrema-Esquerda, passou para o PS e para inumerável multidão que o seguia.

Este era um fenómeno novo para que a cultura «intelectual» vigente não preparara os «revolucionários». Segundo os manuais, os «moderados», uma excrescência da «burguesia», de resto numérica e politicamente sem significado, ficavam sempre entre a obediência e o exílio. Os mitos em que a Esquerda se educara eram taxativos. Em Paris, a «moderação» não marchara em defesa do rei, nem contra Robespierre. Em Moscovo e Petrogrado, emigrara para a Alemanha ou fora vender móveis na rua. Mas, surpreendentemente, em Lisboa e no Porto, andava em manifestações (cada vez maiores), berrando contra a «revolução». Como explicar esta inconcebível extravagância e, sobretudo, como a explicar aos militares, a quem fora garantida a infalibilidade do «marxismo» e de Lenine? Entre Junho e Julho, embora ninguém tivesse ainda consciência disso, a fantasia de «Abril» já se estava a dissolver. O PC, o MFA e a Extrema-Esquerda tinham perdido sem remédio a iniciativa. Soares estava senhor da situação. Só faltava o delírio final da «revolução».

Esse delírio, que, incidentalmente, custou a sofrer, veio mostrar o abismo da miséria e da ignorância portuguesa. Os desvarios do MFA (que se torcia e retorcia para tornar meter o génio na garrafa) atingiram os limites do indescritível. As facções, que ora se juntavam, ora se afastavam, iam publicando «planos» para a salvação da Pátria. Um deles declarava o MFA o «Movimento de Libertação do Povo Português»: entidade «suprapartidária», que se destinava a conduzir «o processo de descolonização interna» e a «construir uma sociedade socialista». Os meios desta obra variavam entre o «pluralismo», a «democracia directa» e, ajuizadamente, a censura. Outro «plano», o «Documento-Guia Povo-MFA», ideia do PC e de Otelo, achava melhor um sistema de «sovietes», como se julgava que existira na Rússia (não existira), enfeitado com uma Assembleia Popular Nacional (isto com a Constituinte em funções). À capa da legitimidade da G3, não houve cretinismo ou torpeza em que não se pensasse, para grande deleite da «inteligência» indígena. Felizmente, o exercício era na essência assobiar no escuro.

A 10 de Julho, A República reabriu com um coronel a director e uma redacção de Extrema-Esquerda e o PS saiu do governo. A 16, saiu o PPD. A 18, no Porto, e a 19, em Lisboa (na «Fonte Luminosa»), dois comícios do PS com centenas de milhares de pessoas ( seguramente, em conjunto, mais do que um milhão) pediram que o primeiro-ministro, e agora general, Gonçalves fosse demitido. Pior ainda para o PC e o MFA: a 17 de Julho (na Lourinhã e no Cadaval) começou uma ofensiva contra as «casas de trabalho» (as sedes) do Partido Comunista, que, semana a semana, alastrou para norte, com apedrejamentos, com incêndios, com a agressão de militantes. Por detrás deste movimento, em grande parte espontâneo, estava a Igreja, com o seu prestígio, a sua experiência e, principalmente, com um padre em cada paróquia. De repente, o mundo «revolucionário», o mundo triunfante da «verdadeira» Esquerda, tremia em Lisboa; e ficava reduzido às suas dimensões reais: o reino comunista do sul (excepto o Algarve) com a capital em Almada.

Perante o país sublevado, o MFA, esse dilecto «movimento de libertação», percebeu (com dificuldade) o que o PC e o radicalismo militar esperavam dele: muito simplesmente que ele se tornasse um «movimento» de ocupação e repressão como o fora na Guiné, em Moçambique ou em Angola. Desta vez, por azar, em Portugal. Mesmo os «capitães de Abril» eram capazes de entender que, se aceitassem esse extraordinário papel, correm à sua perdição. E o medo do que se preparava anulou instantaneamente o medo de retribuição pela fuga de África pelo caos de «Abril». Até ao Verão de '75 o MFA fugira para a Esquerda, dali em diante fugiria com igual entusiasmo para a Direita. Só a lógica não mudou. Em 7 de Agosto, um manifesto, o «Documento dos Nove» (Melo Antunes, Lourenço e sete sócios), que apesar da sua retórica «revolucionária» e socialista (e da condenação já litúrgica da social-democracia) rejeitava um regime soviético, condenava as divagações de Otelo e se decidia pelo «pluralismo», foi assinado por 80 por cento da oficialidade do Exército (com certeza por mais na Força Aérea). Acabara a «festa». Numa reunião em Almada, o próprio Cunhal reconheceu a derrota. E depois de uns dias de negociação e trapalhada, a 5 de Setembro, em Tancos, uma Assembleia do Exército expulsou seis comunistas (incluindo Gonçalves) do Conselho da Revolução e os «moderados» (evidentemente, os «nove») tomaram o poder.

OTELO E A GUERRA CIVIL

Quando o PS e o PSD saíram, caiu o IV Governo Provisório, que foi substituído por um V, em que Gonçalves continuava como primeiro-ministro. O V Governo, um ajuntamento fortuito de gente sem estatuto ou qualificação, caiu com Tancos. E veio a seguir outro (o VI), em substância do PS, com um almirante excêntrico à cabeça. Das «forças revolucionárias», restava o COPCON, sob o comando de Otelo e de Extrema-Esquerda. E o PC que, sem se querer arriscar a um confronto aberto com o Exército «moderado», queria, pelo menos, contribuir para a expeditiva remoção do VI Governo e explorar o vácuo, que se havia de seguir. Mas, para compreender esta nova situação, é preciso compreender um ponto básico: o COPCON (Otelo) e o PC não tinham meios para ocupar duravelmente o Estado e, sobretudo, não tinham um modelo de acção. O modelo jacobino de Lenine, e Cunhal, falhara. Da «democracia directa» não decorria manifestamente uma teoria revolucionária e era tarde para a inventar. Uma certa reserva e uma certa oscilação do PC nos meses que precederam o «25 de Novembro», indicam que Álvaro Cunhal, sem uma estratégia clara, improvisava: meteu um comunista no Governo; ajudou a promover a agitação em Lisboa; colaborava com o PS. Não sabia para onde ir. Principalmente, porque não tinha para onde ir. E talvez também porque não ignorava que um regresso do PC ao poder implicava uma repressão de massa, em si própria perigosa e de resultados duvidosos. Em Otelo, um mitómano pouco inteligente, que muitas vezes roçava o patológico, é escusado procurar um pensamento racional. A sua própria ideologia, aliás (se meia dúzia de slogans merecem o nome) o encorajava a esperar a salvação da iluminada iniciativa do «povo» e do tumulto «criador» que ela eventualmente produzisse. De Setembro em diante, Otelo foi uma força anárquica: entregou armas ( 3000 G3), sem razão ou desculpa, aos civis do PRP; indisciplinou e politizou a parte do Exército que lhe estava entregue; não mexeu um dedo para eliminar uma associação secreta de soldados (os SUV) ou para evitar que um grupúsculo de Esquerda ocupasse a Rádio Renascença; assistiu sem intervir a um cerco ao Governo (em S. Bento) e ao assalto à Embaixada de Espanha; permitiu um segundo cerco, agora à Constituinte; protegeu manifestações do PC e da Extrema-Esquerda ; deixou, pelo silêncio, que se inventassem boatos de «golpes» da Direita e que o PRP apelasse à insurreição armada, na mais total impunidade. Mas tudo isto não levava a nada, mesmo com a fraca resistência do Governo. Em Novembro o poder de Otelo não era maior do que em Setembro. Se alguma coisa, era menor. O seu único aliado, o PC, nunca o aceitaria como parceiro permanente e tencionava dispor dele na primeira ocasião. Horrorizado, o país, aqui e ali armado e activo, estava à beira de um levantamento. Otelo ia caminho de um paroxismo de violência e desordem de consequências quase incalculáveis.

Não é de qualquer maneira provável que, ganhando, tivesse levado Portugal a guerra civil: com o Norte contra o Sul e a Esquerda contra a Direita. Não havia dos dois lados nem tropas, nem dinheiro, para conduzir uma guerra por mais de uns dias, excepto com intervenção estrangeira; e é literalmente inconcebível que a América, a Europa e a URSS, em 1975, se envolvessem num conflito caro e perigoso, por vagos motivos de estratégia (Kissinger, por exemplo, achava que não havia nenhum) ou simples motivos de prestígio. Uma vitória militar de Otelo talvez desse oportunidade a uma matança, a uma larga matança, e a operações de polícia de tropas da NATO para «varrer» as ruas e restabelecer a autoridade do Estado: não parece que nessa eventualidade Brejnev viesse em socorro de Cunhal. Quanto a Otelo e aos seus camaradas «revolucionários», não existia no mundo quem os defendesse.

Foi este isolamento e este desespero político de Otelo e do PC que determinaram o modo e a conclusão do «25 de Novembro». A campanha contra o VI Governo precisava de um desfecho qualquer: muito simplesmente, não era possível viver assim. Ou caía o governo, ou Otelo se insurreccionava. Otelo hesitou, tanto mais que PC não se queria arriscar directa e ostensivamente na aventura. Esta hesitação convidava os militares «moderados» a enfraquecer ou disciplinar as unidades em que não confiavam. Uma delas, os pára-quedistas de Tancos, presumivelmente por causa do clima geral de ansiedade e suspeita, decidiu por sua conta inaugurar a insurreição. Prevenido tarde, o COPCON ainda conseguiu tomar algumas medidas de apoio. Mas, no momento crucial, Otelo resolveu abandonar o posto de comando e ir pacatamente para casa. Mais tarde, tentou explicar este acto em muito pormenor, sem convencer ninguém. Não podia evidentemente dizer, nem a si próprio, que uma política absurda e a frivolidade da insurreição o tinham paralisado. Também Álvaro Cunhal e o PC se conservaram em sossego, para não pagar o preço da derrota de Otelo, que uma parte da Direita (não tão insignificante como isso) lhes tencionava exigir.

O tardio realismo dos chefes, no entanto, não ajudou os peões. Decapitado o COPCON e com os comunistas passivos, Ramalho Eanes enterrou rapidamente a «revolução». Ou enterrou o seu cadáver visível, porque a Esquerda a transformou num mito, que persiste em viver.

UMA REVOLUÇÃO?

O «25 de Abril» foi uma revolução? Não foi. O pronunciamento militar liquidou o antigo regime e dali em diante tudo o resto sucedeu com a protecção e com frequência o incitamento do MFA ou parte dele. Os «revolucionários» (do PS ou de qualquer grupúsculo) agiram sempre em liberdade e completa segurança, pessoal e colectiva. Em '74 e '75 nunca tiveram de enfrentar uma oposição séria e, quando encontraram a mais leve resistência (um fenómeno raro) o Exército resolveu o problema. A sua acção não passou em geral de um exercício de pura prepotência. Nenhum morreu, nenhum esteve na cadeia (durante o PREC, claro), nenhum perdeu o seu emprego. Não por acaso os mais fanáticos continuam a falar da «festa de Abril». Só que não há revoluções sob o alto patrocínio do poder político.

Mas, tirando isto, e não é tirar pouco, transformou a «revolução», como alguns pretendem, a sociedade portuguesa? Não transformou. Não se muda uma sociedade com ocupações seja do que for ou «saneamentos» seja de quem for. Um dos grandes mitos da Esquerda radical a ocupação (de terra ou de uma empresa) é um exercício absurdo que se derrota a si próprio (eliminando o patrão, o capital e o crédito leva fatalmente à falência e ao desemprego). Quanto aos «saneamentos», para durarem, exigem a instauração e consolidação de um novo regime e que esse regime exclua sistematicamente a elite da véspera (uma coisa impossível que nem Estaline tentou). Não admira que em cinco anos restasse vestígio de qualquer ocupação e que os «saneados» voltassem tranquilamente aos seus lugares, quando não ao governo. A agitação «revolucionária» produziu ruído e conseguiu incomodar muito gente. De importante e de permanente não trouxe nada.

Falta falar da «reforma agrária» e das nacionalizações. Se não existem, como não existiam movimentos de massa que as reclamem e defendam, cedo ou tarde, quem a título de «reforma agrária» se apropria de terra alheia, devolve a terra; e as nacionalizações são invertidas por privatizações (tanto mais que, no caso da indústria e da banca, o pessoal dirigente trabalhou para o «socialismo» como trabalhara e depressa tornaria a trabalhar para o capitalismo). Até o PC que observou que a «reforma agrária» e as nacionalizações não eram por si a revolução. De facto. Foram, isso sim, a ruína da economia portuguesa e presumo que irritaram muito, sem consequência de maior, algumas famílias. Como resultado, não se recomenda.

Ainda se diz que Portugal deve agradecer a sua presente «liberdade» aos «capitães de Abril». Não se vê por que razão. A liberdade nunca ocupou o primeiro lugar no seu «pensamento» ou na sua política. E, se hoje há um regime democrático, o responsável é Mário Soares, que precisamente o impôs contra a vontade dos militares. A verdadeira revolução foi a dele.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?